Toda vez que ouço/leio a palavra swap, várias coisas surgem na mente – e a maioria delas são monstruosas. Tenho um critério meio estranho de aceitabilidade nesses casos: as instalações inter-marcas. Se alguém quiser colocar um motor V8 de Ferrari F355 em um Fiat 147 terá minha bênção, mas sou meio recatado quando alguém instala um AP800 em um Chevette (apesar de já ter andando bem rápido em alguns). Prefiro um deles com motorzão GM mesmo, como é o caso desse aqui que nós vamos mostrar.
Certo dia, um amigo virtual (tempos modernos…) me enviou o link de um singelo Chevette vinho com rodas Cragar do Opala SS em uma rodovia de São Paulo. Carro simples mas super bem cuidado, sem nenhum exagero aparente… até o câmera chegar mais perto e o ronco permear meus ouvidos. Fechei os olhos para aguçar minha audição: havia algo diferente naquele carro.
Pesquisei um pouco, fiz alguns contatos e em alguns dias tinha em minha caixa de mensagem o e-mail do proprietário. Ricardo Fernandes é um cara simples, acessível e com muita boa vontade em ensinar o que aprendeu ao longo dessa vida.
O carro é uma herança/presente de família. Pertenceu ao tio de Ricardo desde 0km e só em 1991 chegou às suas mãos. O estudante de Engenharia Mecânica recebeu-o como presente dado o estado de saúde debilitado do tio. Após o término da faculdade e uma pequena estabilidade financeira, em 1999 o carro seguiu para a funilaria e pintura. “Ele estava bastante integro, mas queria deixá-lo zero. Levei-o a uma das melhores oficinas do ramo em São Paulo e acabei, nos 46 minutos do 2º tempo, mudando a cor vinho do carro para uma de mesmo tom, mas importada da PPG, com pigmentação perolizada. Levei-o para casa todo pelado. Aí começaram os finais de semana montando o bicho”.
O motor 1.4L saiu de cena para receber a doação de um Opala 4 cilindros de 2,5 litros original que acabou sofrendo um problema sério no cabeçote. “Tirei o conjunto mecânico para o conserto, e na mesma ocasião surgiu a oportunidade de comprar um motor Vortec V6 da Chevrolet S10 Sonoma de um conhecido que havia comprado em lotes refugados pela GM. As peças eram zeradas, acabei comprando dois kits para montar um motor todo novo. Coloquei o 4.3V6 ao lado do 4 cilindros do Opala e vi que dava jogo… e uma nova etapa começou.” Essa nova etapa só terminou em 2007.
Com a experiência pessoal de seu amigo Wagner Sacco e aplicado os estudos da faculdade efetivamente, Ricardo criou novos suportes para o motor e câmbio sem agredir a estrutura original do clássico ’78. Se quiser retornar à originalidade, não ficará um vestígio sequer. Mas antes de repousar no cofre do Chevette, o Vortec V6 de 4,3L recebeu uma leve afinação.
A Kaef Preparações realizou o polimento dos dutos do cabeçote para melhorar o fluxo, e retrabalhou as sedes de válvulas com três ângulos de assentamento cada. Uma bomba de óleo Milodon de alta pressão foi instalada para que nunca falte lubrificação ao Vortec. Junto a ela, uma bomba d´água de alto volume com um radiador com maior capacidade de refrigeração. A alimentação é feita através de um carburador Holley de 600Cfm com 2° estágio manual, instalado em um coletor Edelbrock Performer que recebe gasolina por meio de uma bomba de combustível Bosch herdada de um Chevrolet Kadett GSI, com dosador da Turbo Anhanguera. O coletor de escape foi confeccionado em aço carbono pela German Escapes. A ignição conta com uma bobina Bosch e um distribuidor de GM 6 cilindros com cabos de velas Accel de 8mm e velas AC Delco com as mesmas especificações originais. Nada exorbitante e dispendioso, apenas o necessário para um rodar confiável e brutal.
O volante do motor foi aliviado e um conjunto de embreagem Sachs devidamente reforçado para uma pegada mais firme foi instalado. O câmbio de cinco marchas originário de um Opala manteve-se original, mas com alavanca do próprio Chevette, e o diferencial agora é um Dana 44 apto a segurar o tranco.
As rodas Cragar originais do Opala SS de medidas 7×14” foram adquiridas novas, com pintura original, mas Ricardo optou pela instalação de sobre-aros para agregar mais apelo visual. Foram elas que definiram o diferencial Dana 44 para o projeto por conta do sistema obrigatoriamente contar com furação 5×114 sem necessitar de maiores adaptações. Elas calçam pneus Firestone Firehawk de medidas 195/60-14” na dianteira e Cooper Cobra de medidas 215/60-14 no eixo de tração, prontos para produzir fumaça nas aceleradas mais decididas.
Com o novo conjunto, as suspensões e freios precisaram ser revistos. Na dianteira, os apoios originais foram reforçados e os amortecedores do Chevette ganharam maior carga para suportar o peso do novo motor. Na traseira, amortecedores de Chevrolet Omega também sofreram uma leve preparação para oferecer à leve traseira um pouco mais de estabilidade e tração. Os amortecedores de Omega apóiam-se em bandejas de Opala, e novos braços de suspensão foram confeccionados exclusivamente para este exemplar. Já o sistema de frenagem agora conta com discos do Opala’92 e pinças do Vectra’97 na frente, e discos do Opala’92 e pinças do Kadett GSI atrás.
O carro ainda não foi levado ao dinamômetro, mas Ricardo estima que o motor esteja gerando cerca de 200 cavalos, suficientes para tornar deliciosa a condução desse clássico. ”Ele é completamente dócil, vai ao mercado, ao trabalho, mas o foco mesmo são os passeios de final de semana”, diz Ricardo. ”Primeiro, o ronco do escape. Imagine um carro que, na lenta, parece realmente um Chevette, bem calado e silencioso. Você não precisa tocar no acelerador… apenas brinca com a embreagem. Mas quando você chama de verdade, aí ele grita – e muito – por conta da Holley, dos coletores, dos cabeçotes e do volante do motor muito aliviado”.
“Dirigir este Chevette lembra a condução de um muscle car em tamanho pocket. Tudo bem, não é um V8, mas não pesa mais de 1 tonelada e meia… pesa pouco mais de 800 kg, então as coisas se equivalem. Torque abundante que permite sair em 3ª marcha, mesmo com uma relação diferencial alongada. Bastante giro para um motor grande, aproveitando bem cada marcha. Ele tem um comportamento bem equilibrado, mesmo com o maior peso do conjunto mecânico. O motor em V tem baixo centro de gravidade, a suspensão recalibrada ajuda bastante, e os freios e pneus passam a segurança necessária”.
Por fora, o revitalizado é pura elegância, sem nenhum sinal dos adereços e modificações que costumam acabar com a reputação dessas máquinas. Internamente não se nota nada demais, mas basta um olhar mais atento para perceber que o conta-giros foi herdado de um legítimo Chevette GP, juntamente com o console central que apresenta ao motorista informações adicionais em seus manômetros. De resto, bancos, volante, manoplas, pedaleiras, carpete… tudo completamente original e em seus devidos lugares, sem adaptações ou gambiarras.
Ricardo possui outro Chevette, um GP completamente original, companheiro inseparável do irmão transplantado. em seus domínios ainda vivem dois Fords Maverick GT (4 e 8 cilindros), um Dodge Charger R/T, dois VWs Fusca, uma VW Saveiro Turbo e um pacato Chevrolet Vectra CD’98 com pouco mais de 35.000km rodados. Praticamente uma Garagem dos Sonhos em versão popular brasileira.
Mas adivinha quem é o seu preferido?
“Não há sensação igual a você ter um Chevette arrancando forte, riscando firme o asfalto até a 3ª marcha, seguindo reto, sob controle… engolindo marcha em cima de marcha até a 5ª. Entre os brinquedos que tenho em casa, Maverick GT V8, Dodge Charger, sem nenhuma dúvida, o Chevette abocanha todos eles. É você arrancar em um farol lado a lado com outro carro forte atual e disparar… no próximo farol, espera um pouco pela chegada do concorrente, e percebe que o outro cara não está puto da vida por ver alguém andando na sua frente, mas sim admirando um Chevette de mais de 30 anos fazer aquilo, daquela forma, classicamente falando…”.
Texto postado originalmente no Jalopnik.com
Grande abraço!
Certo dia, um amigo virtual (tempos modernos…) me enviou o link de um singelo Chevette vinho com rodas Cragar do Opala SS em uma rodovia de São Paulo. Carro simples mas super bem cuidado, sem nenhum exagero aparente… até o câmera chegar mais perto e o ronco permear meus ouvidos. Fechei os olhos para aguçar minha audição: havia algo diferente naquele carro.
Pesquisei um pouco, fiz alguns contatos e em alguns dias tinha em minha caixa de mensagem o e-mail do proprietário. Ricardo Fernandes é um cara simples, acessível e com muita boa vontade em ensinar o que aprendeu ao longo dessa vida.
O carro é uma herança/presente de família. Pertenceu ao tio de Ricardo desde 0km e só em 1991 chegou às suas mãos. O estudante de Engenharia Mecânica recebeu-o como presente dado o estado de saúde debilitado do tio. Após o término da faculdade e uma pequena estabilidade financeira, em 1999 o carro seguiu para a funilaria e pintura. “Ele estava bastante integro, mas queria deixá-lo zero. Levei-o a uma das melhores oficinas do ramo em São Paulo e acabei, nos 46 minutos do 2º tempo, mudando a cor vinho do carro para uma de mesmo tom, mas importada da PPG, com pigmentação perolizada. Levei-o para casa todo pelado. Aí começaram os finais de semana montando o bicho”.
O motor 1.4L saiu de cena para receber a doação de um Opala 4 cilindros de 2,5 litros original que acabou sofrendo um problema sério no cabeçote. “Tirei o conjunto mecânico para o conserto, e na mesma ocasião surgiu a oportunidade de comprar um motor Vortec V6 da Chevrolet S10 Sonoma de um conhecido que havia comprado em lotes refugados pela GM. As peças eram zeradas, acabei comprando dois kits para montar um motor todo novo. Coloquei o 4.3V6 ao lado do 4 cilindros do Opala e vi que dava jogo… e uma nova etapa começou.” Essa nova etapa só terminou em 2007.
Com a experiência pessoal de seu amigo Wagner Sacco e aplicado os estudos da faculdade efetivamente, Ricardo criou novos suportes para o motor e câmbio sem agredir a estrutura original do clássico ’78. Se quiser retornar à originalidade, não ficará um vestígio sequer. Mas antes de repousar no cofre do Chevette, o Vortec V6 de 4,3L recebeu uma leve afinação.
A Kaef Preparações realizou o polimento dos dutos do cabeçote para melhorar o fluxo, e retrabalhou as sedes de válvulas com três ângulos de assentamento cada. Uma bomba de óleo Milodon de alta pressão foi instalada para que nunca falte lubrificação ao Vortec. Junto a ela, uma bomba d´água de alto volume com um radiador com maior capacidade de refrigeração. A alimentação é feita através de um carburador Holley de 600Cfm com 2° estágio manual, instalado em um coletor Edelbrock Performer que recebe gasolina por meio de uma bomba de combustível Bosch herdada de um Chevrolet Kadett GSI, com dosador da Turbo Anhanguera. O coletor de escape foi confeccionado em aço carbono pela German Escapes. A ignição conta com uma bobina Bosch e um distribuidor de GM 6 cilindros com cabos de velas Accel de 8mm e velas AC Delco com as mesmas especificações originais. Nada exorbitante e dispendioso, apenas o necessário para um rodar confiável e brutal.
O volante do motor foi aliviado e um conjunto de embreagem Sachs devidamente reforçado para uma pegada mais firme foi instalado. O câmbio de cinco marchas originário de um Opala manteve-se original, mas com alavanca do próprio Chevette, e o diferencial agora é um Dana 44 apto a segurar o tranco.
As rodas Cragar originais do Opala SS de medidas 7×14” foram adquiridas novas, com pintura original, mas Ricardo optou pela instalação de sobre-aros para agregar mais apelo visual. Foram elas que definiram o diferencial Dana 44 para o projeto por conta do sistema obrigatoriamente contar com furação 5×114 sem necessitar de maiores adaptações. Elas calçam pneus Firestone Firehawk de medidas 195/60-14” na dianteira e Cooper Cobra de medidas 215/60-14 no eixo de tração, prontos para produzir fumaça nas aceleradas mais decididas.
Com o novo conjunto, as suspensões e freios precisaram ser revistos. Na dianteira, os apoios originais foram reforçados e os amortecedores do Chevette ganharam maior carga para suportar o peso do novo motor. Na traseira, amortecedores de Chevrolet Omega também sofreram uma leve preparação para oferecer à leve traseira um pouco mais de estabilidade e tração. Os amortecedores de Omega apóiam-se em bandejas de Opala, e novos braços de suspensão foram confeccionados exclusivamente para este exemplar. Já o sistema de frenagem agora conta com discos do Opala’92 e pinças do Vectra’97 na frente, e discos do Opala’92 e pinças do Kadett GSI atrás.
O carro ainda não foi levado ao dinamômetro, mas Ricardo estima que o motor esteja gerando cerca de 200 cavalos, suficientes para tornar deliciosa a condução desse clássico. ”Ele é completamente dócil, vai ao mercado, ao trabalho, mas o foco mesmo são os passeios de final de semana”, diz Ricardo. ”Primeiro, o ronco do escape. Imagine um carro que, na lenta, parece realmente um Chevette, bem calado e silencioso. Você não precisa tocar no acelerador… apenas brinca com a embreagem. Mas quando você chama de verdade, aí ele grita – e muito – por conta da Holley, dos coletores, dos cabeçotes e do volante do motor muito aliviado”.
“Dirigir este Chevette lembra a condução de um muscle car em tamanho pocket. Tudo bem, não é um V8, mas não pesa mais de 1 tonelada e meia… pesa pouco mais de 800 kg, então as coisas se equivalem. Torque abundante que permite sair em 3ª marcha, mesmo com uma relação diferencial alongada. Bastante giro para um motor grande, aproveitando bem cada marcha. Ele tem um comportamento bem equilibrado, mesmo com o maior peso do conjunto mecânico. O motor em V tem baixo centro de gravidade, a suspensão recalibrada ajuda bastante, e os freios e pneus passam a segurança necessária”.
Por fora, o revitalizado é pura elegância, sem nenhum sinal dos adereços e modificações que costumam acabar com a reputação dessas máquinas. Internamente não se nota nada demais, mas basta um olhar mais atento para perceber que o conta-giros foi herdado de um legítimo Chevette GP, juntamente com o console central que apresenta ao motorista informações adicionais em seus manômetros. De resto, bancos, volante, manoplas, pedaleiras, carpete… tudo completamente original e em seus devidos lugares, sem adaptações ou gambiarras.
Ricardo possui outro Chevette, um GP completamente original, companheiro inseparável do irmão transplantado. em seus domínios ainda vivem dois Fords Maverick GT (4 e 8 cilindros), um Dodge Charger R/T, dois VWs Fusca, uma VW Saveiro Turbo e um pacato Chevrolet Vectra CD’98 com pouco mais de 35.000km rodados. Praticamente uma Garagem dos Sonhos em versão popular brasileira.
Mas adivinha quem é o seu preferido?
“Não há sensação igual a você ter um Chevette arrancando forte, riscando firme o asfalto até a 3ª marcha, seguindo reto, sob controle… engolindo marcha em cima de marcha até a 5ª. Entre os brinquedos que tenho em casa, Maverick GT V8, Dodge Charger, sem nenhuma dúvida, o Chevette abocanha todos eles. É você arrancar em um farol lado a lado com outro carro forte atual e disparar… no próximo farol, espera um pouco pela chegada do concorrente, e percebe que o outro cara não está puto da vida por ver alguém andando na sua frente, mas sim admirando um Chevette de mais de 30 anos fazer aquilo, daquela forma, classicamente falando…”.
Texto postado originalmente no Jalopnik.com
Grande abraço!