"Se vai tentar
siga em frente.
Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho... e talvez a cabeça.
Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...
A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.
Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena." - Charles Bukowski
Sábias palavras de um velho, bêbado, rabugento, tabagista e mulherengo. Depois dizem que as coisas ruins acabam com a vida. Por mais certos que estejam, são elas que nos dão experiência para que palavras assim possam ser rusticamente embaralhadas formando um texto tão... eu.
Estava muito desanimado com o "Projeto Gorete" e numa conversa particular com o cara lá de cima, pedi bastante ciência, força, coragem e alguns recurso$$$ para continuar o projeto. Por fim, eu disse: "...mas livrai-nos do mal, amém!"
Então Ele me ouviu, e como todo bom Pai resolveu ajudar um filho aflito. Tirou de mim a pauta do Jalopnik por problemas que vinham se arrastando já há algum tempo, mas que cedo ou tarde eu sabia que acabaria como terminou. Tudo ótimo, mas não escrevo mais para lá. Deixou-me apenas com uma pauta da Revista Super Speed por mês e, como num passe de mágica, jogou pilhas e pilhas de problemas dos meus clientes e muito trabalho para que eu resolvesse. Isso tomou e toma boa parte do meu dia, restando pouca massa cefálica em boas condições para redigir um bom texto após chegar em casa e curtir a família. O que sobra de mim lá pela meia-noite e meia de cada dia é um traste inerte sobre o sofá tentando acalmar a mente (muitas vezes à base de álcool) para que o corpo descanse o máximo possível para segurar a bomba do dia seguinte. Tem sido assim e isso não é uma reclamação. Nesta parte, Ele me deu forças.
Então começou a recompensa. A confiança de um amigo, o apoio de outro e na garagem reservada àquela que tanto me entusiasma, desilude, insina, enoja... agora habita uma outra moça com quem ela divide atenção, espaço, produtos de beleza e o que sobrar do meu dinheiro. Não serão projetos para serem tocados em paralelo, mas sim para servirem de apoio uma à outra. Uma terá a proposta de ser baixa, ter estilo, consumir minha paciência, dinheiro e outras frugalidades. A outra será enxuta e discreta.
Então, depois da cabeça esfriar, fui conversar com o mecânico que estava cuidando da Gorete. Prazos foram definidos, detalhes foram acertados e pequenas coisas foram colocadas no eixo. Chega de deixar correr o projeto por conta dos outros. Eu tenho prazo para tudo. Eles terão também. Só não contava com mais alguns empecílhos.
Quando comprei um par de mangas de eixo deslocadas EMPI novas, achei que estaria adquirindo um produto de qualidade superior às mangas fabricadas artesanalmente. Ainda assim elas vieram com um leve empeno no lado esquerdo, fazendo com que a roda do lado do motorista ficasse sempre com a cambagem positiva. Não havia regulagem que desse jeito! Alguns amigos deram suas dicas, relataram suas experiências e boa parte delas foi tentada no meu Fusca para minimizar o efeito. Nada deu certo. Estava a um passo de desmontar as mangas deslocadas e colocar as originais quando uma solução do tipo RTI - Recurso Técnico Improvisado (como diz meu amigo Plautos, referindo-se às "gambiarras" que são feitas em toda adaptação) veio à mente e acabou dando certo. O preenchimento de um pequeno pedaço da manga com solda e ZAZ!!! Roda no ponto original e com regulagem!
Ajusta catraca, alinha roda, eixo e tudo mais o que pode ser feito. Quando terminado, o carro desce da máquina e a frente está completamente torta! De um ponto do para-lama direito ao chão, e de um ponto do para-lama esquerdo ao chão, a diferença de alinhamento é de cerca de 3cm!!! Pode não parecer nada, mas olhe o carro de frente ele estará completamente torto! Meu desânimo era explícito. Não havia consolo ou qualquer outra palavra que me acalentasse. Estava por um fio de jogar o projeto num canto e esquecer por um tempo.
Então havia aquele amassado no teto. Havia ainda um funileiro de confiança do mecânico que estava cuidando dela. Havia uma brexa na minha agenda e um resto de esperança em fazer a porra toda dar certo, mesmo que paliativamente... só por um tempo. Daqui a algum tempo vira a reforma completa da carroceria. Por hora, eu só preciso dela "apresentável". Fui até a oficina, ví alguns trabalhos e me deparei com a foto de um dos carros que estava presente na exposição do Museu Vivo que eu fui há menos de uma semana. Um belo Opala coupé muito bem feito. Olhei mais alguns carros que estavam prontos e lá no fim do túnel o funileiro acendeu uma brexa de esperança, uma luz no final do túnel: "Do jeito que está, posso tentar uma técnica que utilizo há anos e tem dado muito certo em carrocerias que são destacáveis do chassi. Separamos elas e 'desentortamos' na máquina sem danificar o chassi. A carroceria trabalha, medimos os pontos, reparamos o que deve ser feito e vai ficar bom até a reforma final." - disse ele.
Valores acertados, esperança acesa, prazos definidos e idéias novamente fervilhando. Agora é esperar acontecer, mas logo no primeiro dia as coisas começaram a serem encaminhadas e renderam bons resultados. A diferença agora é quase nula e ainda falta bastante acerto, mas pontos de emendas já abriram e foram reparados. Alguns detalhes foram acertados e excluidos para entrada de outros. Agora é ter fé, foco e força. Ela precisa conhecer a irmã.
Aqui é possivel ver como a frente estava torta
Aqui ela já está começando a ser alinhada
Então a Gee começou a sentir como seria a vida dela. Aos poucos o carro foi mostrando-se mais confiante e após algum entrosamento, uns carinhos e algumas pisadas, ela continua firme, fiel e íntegra. Ainda não fiz nada substancial nela até por que o foco é tirar a Gorete da oficina. A revisão geral de 185.000 km foi feita e o custo me surpreendeu! Mas um de seus únicos problemas não será resolvido neste momento. A terceira marcha arranha bastante por conta do anel sincronizador que está danificado. Será preciso abrir a caixa para trocá-lo e estou reunindo informações com alguns amigos sobre a adaptação do trambulador do Palio (que é a cabo, enquanto na Gee é por varão) e isso inclui a compra de algumas peças, o que demanda dinheiro e alguém bastante capacitado para não fazer merda. Tenho uma boa indicação, mas a oficina está cheia. Hora de esperar, capitalizar e só depois fazer a coisa toda acontecer. A marcha está bem e engrena com facilidade quando a troca é lenta. Com o modo "vovô" de conduzir ativado, é bem tranquilo de acelerá-la. Quando o modo "kamikase" é ativado é que as arranhadas são intensas e causam um certo desconforto. É preciso respeito. Um carro com 20 anos de idade tem lá suas particularidades.
Em um comentário num post anterior o amigo Roberto me questionou sobre as minhas impressões com um Fiat carburado de cerca de 20 anos de idade e o que posso dizer é que o carro é surpreendente. Não pelo seu desempenho, pela sua desenvoltura ou pela sua agilidade, mas por todo o prazer que um conjunto bem cuidado pode proporcionar. O amigo Wellington cuidou muito bem dela e os donos anteriores também deram a devida atenção. O que se seguirá são meros aprimoramentos .
Advinhem quem se amarra em dar uma voltinha na Gee?!
Tenho me policiado para andar com ela dia sim, dia não, visto o fato que carro parado dá mais despesa do que carro andando (vide Gorete para comprovar). A média de consumo ficou em torno de 9,5 km/l, geralmente com o ar condicionado ligado, com direito a algumas boas pisadas e momentos de lerdeza. E ela anda bem. O câmbio curto e o motor sedento por giro faz a direção "esportiva" ser bastante divertida e ao mesmo tempo silenciosa. O carro é completamente forrado por materiais fono-absorventes e somente em rotações mais altas é possível ouvir algum barulho mais alto. Contribui para isso o escapamento completamente original e a charmosa ponteira de escape virolada. Heranças italianas.
O conforto é algo que marca. Os bancos tem ótimas estruturas, o tecido é aconchegante e, apesar de ser um carro de entrada à época, o ar condicionado, vidros elétricos, travas elétricas e o silêncio a bordo tornam-a completamente utilizável no dia-a-dia. Isso só não acontece por que uso o Ford Fiesta da empresa para ir e vir do trabalho, além de ter muita dó de deixá-la no sol e exposta ao tempo.
Então no dia 02/04 acordei com a faca nos dentes e muita vontade de arrancar pescoços. O prazo estipulado havia sido ultrapassado e o MEU prazo era até o final de semana. Acordos refeitos e no dia 06/04 toda a mesma agonia. Parece que a oficina estava me esperando chegar para fazer o que deveria ter sido feito e o carro ainda precisava de detalhes. Corri, comprei o que precisava, gastei mais uma $$$, mas tirei a Gorete da oficina!
Foi andando para casa, sem placa, sem extintor, sem estepe... sem porra nenhuma além de uma carcaça montada com um motor. As rodas estavam lá, a suspensão também, mas tudo ainda precisando daquele carinho que só o dono tem para fazer as coisas. Coloquei na minha cabeça que este será meu passatempo, meu quebra-cabeça, meu divertimento.
Estou aos poucos saindo do lado que relata nossa realidade automotiva (chamar de "cena brasileira" eu acho ridículo) para fazer parte dela como deve ser: Coloquei o Fusca para andar.
No último final de semana levei minhas filhas para um churrasco da família com ela. As pequenas se amarram no barulho, no interior, no painel, nos detalhes e não param de falar um segundo! Ainda tenho muito o que fazer, adaptar, instalar, arrumar... mas agora é tudo uma questão de tempo e paciência. Ela está baixa demais, raspa demais, faz barulho de mais, incomoda demais... mas essa foi a felicidade que escolhi para mim. Talvez uma noite dessas pegue ela para uma volta, desolado, sozinho e pensativo para que ao meu regresso eu possa aliviar a cabeça de pensamentos medíocres, cansaços degenerativos e com um enorme sorriso no rosto.
Desistir nunca foi uma opção.
Que sobreviva apenas aquilo que nos fortalece
Que todo o mal, inveja e cobiça sejam banidos
Amém!
Abraços a todos!
